Você está trabalhando de graça?

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agosto 15, 2014
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6 min read

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Se tem uma coisa que me incomoda é ver pessoas sendo exploradas o tempo todo, e pior, sem ao menos se darem conta disso.

Já tive “cliente” pedindo para oferecer sugestões (rascunhos) antes do orçamento, pois somente assim poderia avaliar se faria o projeto comigo ou não. Ah, tá! Sei que comigo não rolou, mas aposto que alguém foi convencido depois de receber uma oferta “irrecusável”.

Já trabalhei como ilustrador recebendo R$10 por ilustração. Tudo bem que isso faz uns 8 anos, mas eu precisava do dinheiro, e na minha cabeça, aquelas ilustrações eram muito fáceis. Acontece que muitas vezes eu gastava quase duas horas para finalizar uma ilustração, e com certeza, se eu soubesse fazer o cálculo, minha hora de trabalho não valeria R$5. Enfim, não trabalhava “de graça”, mas com certeza estava sofrendo exploração. E feliz da vida!

Agora está na moda a “concorrência criativa”, que antigamente se chamava “concorrência especulativa” mas por alguma razão mudou de nome. A ideia é que você faça um layout (ou mais) na intenção de receber um pagamento caso seu trabalho seja escolhido entre os vários outros enviados.

Então pensa comigo: um cliente contrata uma empresa, que por sua vez “contrata” 500 designers para oferecerem soluções para este cliente. Essa empresa seleciona, digamos, 10 projetos e envia estes 10 layouts para o cliente. Suponha que o cliente escolha o projeto e pague R$200, e a empresa divide com o designer 50% do lucro. Ou seja, R$100 para cada. Um negócio e tanto, não?

O que aconteceu com os outros 499 designers que enviaram seus projetos? Acabaram de trabalhar de graça.

E o que aconteceu com o designer que acabou de “lucrar” R$100? Está feliz da vida!

Mas infelizmente, para ter esse projeto aprovado, ele provavelmente teve que enviar vários layouts para vários clientes diferentes, e vem fazendo isso há um bom tempo. Na maioria dos casos ele tem que contar com a sorte. Então, fazendo a matemática, esse 1 designer que conseguiu aprovação na verdade faz parte dos outros 499 que não conseguiram. Entendeu a lógica?

No final das contas quem lucra, e lucra muito, é a empresa que faz essa intermediação. Qual foi o trabalho que a empresa teve, selecionar 10 projetos? Essa empresa está milionária, e você está ganhando R$100 por projeto aprovado, sabe-se lá quantas vezes por mês. Designer, acho que você está trabalhando de graça.

Não sou de fazer críticas a “micreiros”, pois normalmente entende-se como “micreiro” a pessoa que sabe mexer em computador (micro) e se aventura a exercer o design. Normalmente está associado também a pessoas que nunca fizeram uma faculdade de design.

Acontece que há muitos “micreiros” que estudam design por conta própria e acabam se destacando. É possível encontrar vários designers premiados que nunca fizeram uma faculdade, assim como é possível encontrar grandes músicos que nunca “estudaram” música.

Não me entenda mal, não desaconselho de forma alguma a imersão em uma faculdade. Na verdade, aconselho muito, pois a faculdade te oferece a coisa mais importante pelo meu ponto de vista – a ordem cronológica de estudo. Estou apenas dizendo que não é impossível ser bem sucedido sem ela. Você duvida que existam “micreiros” que são designers formados? Eu não.

Pois bem, há pouco tempo enviei uma proposta para uma cliente, que na verdade é uma grande amiga. Infelizmente ela não teria condições de arcar com meu orçamento e decidiu fazer o projeto com uma dessas empresas que exercem a “concorrência criativa”.  Me ofereci para acompanhar o projeto, como uma espécie de consultor, sem cobrar nada por isso.

Quando minha amiga e seu sócio fizeram a escolha, me enviaram e pediram opinião. Mandei várias observações considerando alguns erros técnicos, e lembro de uma que merece destaque. Eu disse o seguinte:

- Seu designer precisa enviar uma versão vertical da marca. Peça isso a ele.

Quando recebi a marca por e-mail, tive uma crise de risos daquelas de escorrer lágrimas. O “designer” simplesmente tinha girado a marca na vertical. Isso mesmo, girou 90º. Se você é um designer com um pouco de fundamento sabe que isso não é uma versão vertical de marca. Ok, até é, mas não é.

E quem é culpado por essa prática, o designer que lucra R$100 por projeto, o cliente ou a empresa que contratou o designer?

Com certeza não é o cliente. Este cliente está pagando um preço “justo” para o nível de exigência que ele tem.

Também não é o suposto designer que lucra R$100 por projeto, pois ele está feliz. Isso me incomoda? Sim, mas se ele está feliz quem sou eu para criticar? Além do mais, ele está suprindo uma carência de mercado, e se for sortudo, pode estar tirando mais dinheiro que você e eu juntos no final do mês.

Seria a empresa que promove a “concorrência criativa”? Não sei, pois ela também está suprindo uma demanda que parte do próprio cliente, que por sua vez não tem culpa por ter uma expectativa baixa e aprovar um projeto “show de bola” por R$200. No final, os 3 estão felizes.

Ao meu ver, este problema – que é sim um problema, está em uma esfera que vai muito além destes 3 personagens. Veja bem, se o problema é a baixa expectativa do cliente, significa que para ele é indiferente o trabalho de um suposto designer e o de um designer profissional. Mas este cliente não sabe que ao ter a oportunidade de fazer um comparativo entre os dois, ele escolherá o profissional. Ele não sabe disso pois não sabe que este profissional existe. E ele não sabe que este profissional existe porque muitas vezes este profissional cobra exatamente o mesmo, ou bem próximo do que o suposto designer está cobrando.

Se você for um destes designers profissionais que “nada” tem a ver com essa história, mas que cobra valores baixíssimos com medo da "concorrência", saiba que talvez esteja estimulando esta prática que você tanto condena.

Não desvalorize todo seu aprendizado com medo de perder o cliente. A concorrência é normal e saudável, então concorra com profissionais com o mesmo entendimento de design que você. Os “micreiros” e os supostos designers nunca vão deixar de existir, e você não deveria se preocupar nem um pouco com isso. Simplesmente não trabalhe de graça.

É o que eu penso.

Um abraço e até o próximo post.

REFERÊNCIA COMPLEMENTAR

Código de ética profissional do designer gráfico

CRÉDITO

Ilustração da capa por Wikimedia

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Tagged: Concorrência · Design · Ética
Comments
Héverton Bortolotti
Muito bem pontuado o texto. Vivo em uma região que está mais ou menos nesse “pé”. Muitos “micreiros”, poucas agências realmente boas e muitos, mas muitos empresários que buscam aquela “marquinha marota” para a sua empresa. Hoje pagamos 16% de impostos, cobramos um valor que se compara às grandes agências da região e mesmo assim temos clientes. Faça um bom trabalho, dedique-se, valorize-se. O resultado virá com o tempo, e as vezes nem demora muito. Estamos a 3 meses operando e não temos do que reclamar.
Walter bom dia
Eu preciso discordar de algumas coisas que estão no seu texto.
Quando você fala que as pessoas estão sendo exploradas na verdade você deveria falar que elas SÃO VÍTIMAS DE TRABALHO ESCRAVO. Isso mesmo. Tendo em vista que toda pessoa que trabalhe para alguma empresa e ganhe menos do que um salário mínimo já é considerado vítima de trabalho escravo. Isso é lei e esta na constituição do Brasil.
Sobre o resto parabéns pelo texto.
ótimo artigo, eu praticava preços baixo pelo grau de conhecimento e concorrência, agora cobro o valor conforme o briefing.
Mandou super bem Walter meu caro, aliás, não só nesse post, mas em todo seu trabalho e conduta.
A pouco mais de um mês, uma amiga de minhas irmãs, por acaso irmã de um grande amigo meu, me procurou também para um projeto de branding. Eis que considerando esses laços, fiz uma proposta muito mais enxuta do que a usual, deixei praticamente gordura alguma. E a resposta foi inusitada, ela veio dizendo que andou cotando com outro profissional, disse que eu provavelmente o conhecia, inclusive, e falou que a proposta dele tinha ficado bem mais em conta, mas que eu tinha a preferência, e se eu não podia fazer pelo custo dele. Eu, com toda a paciência do mundo, respondi que infelizmente eu não tinha deixado mais nenhuma gordura no orçamento dela, e que poderia apenas falar por meu trabalho, explicando a ela a diferença dos meus serviços, para os de um profissional co menos conhecimento técnico, e que de maneira alguma poderia aceitar o custo dele, pelo meu trabalho oras. Enfim, passou o tempo e fui ver que o negócio dela finalmente iria inaugurar, fui ver o resultado do trabalho que ela contratou em meu lugar, e tive vontade de rir, mas de chorar ao mesmo tempo. Algo tão cheio de falhas que só poderia vir de um total amador. Eis que me surpreendo mais uma vez ao ver o post de um link para portfóilio na minha linha do tempo, de um colega de faculdade, e era o projeto dela que ele apresentava todo pomposo. Não pude acreditar primeiro no amadorismo técnico dele, e segundo o quão baixo ele se vendeu pra ela ter corrido de um orçamento tão enxuto quanto o que passei.
Enfim, são coisas da vida profissional, achei pertinente compartilhar com você, tendo em vista as semelhanças. hehehe
Abraço! Parabéns pelo trabalho, vai longe meu querido, vai longe.
No momento estou com 2 grandes projetos em andamento, mas ainda não recebi por nenhum dos dois. Sei que viver de promessas é ruim de mais, no entanto, os valores sugeridos são bem altos e julgo valer apena o risco. Afinal, já levei calotes por muito menos. Confesso que mesmo assim, não me sinto tão confortável.
Nunca tive medo de concorrência por causa de valores, mas já perdi Jobs por causa de profissionais que não valorizaram seu próprio trabalho.
Parabéns pelo o artigo!
Se vai trabalhar antes de receber alguma parte do pagamento certifique-se de passar um contrato especificando tudo, inclusive multas por atraso ou falta de pagamento, não se deixe trabalhar de graça, alias quando compramos algo tempos que pagar na hora.
Heverton, conheço seu trabalho e, realmente, o bom trabalho e dedicação são a essência de um caso de sucesso. Parabéns e boa sorte na sua trajetória.
Mauricio, você tem razão. Na verdade é muito difícil admitir ou usar um termo tão forte como “trabalho escravo”, principalmente quem já vivenciou essa experiência, de cobrar pouco (ou mesmo nada) na esperança de ganhar visibilidade. Acontece que não é bem assim. Estava por fora desta questão legal sobre o assunto. Obrigado por compartilhar. Um abraço.
Wesllen, obrigado por sempre compartilhar seu pensamento com a gente. Boa sorte nos seus projetos, e não esqueça de montar um contrato para não correr o risco de não ser pago.
Abraço a todos.
Está certíssimo, Rafael. Um abraço.
Olá Edmilson, beleza?
Rapaz, que situação! Eu já passei por diversas situações parecidas, até que decidi dar um basta. Mesmo assim, vira e mexe a gente ainda se depara com algumas situações indesejadas. Mas já me acostumei. rs
Obrigado pelo incentivo, cara. Grande abraço.
Não sei se seria o mais certo dizer que é uma questão de “educação” por parte de nós profissionais, ou dos nossos clientes ou até mesmo de nós como concorrência. Mas penso que é mais uma questão de “educar” todo mundo que faz parte dessa relação toda! Acredito que esse é um jeito muito bacana de nivelar o nosso mercado e levar a profissão para um passo a frente… Antes do reconhecimento vem o entendimento, não é?!
O grande problema Iure é que aqui no Brasil(não sei em outros paises) todo mundo acha que para ser empreendedor basta abrir o estabelecimento e pronto, não fazem nenhuma capacitação, não vão atrás de descobrir o que fez aquela marca X ficar tão grande e conhecida, muitos simplesmente vão além e ignoram não só a identidade visual, mas a forma de tratar os clientes. A verdade é que é necessário separar os tiozinhos de mercearia dos verdadeiros empreendedores, qualquer que seja o ramo, se a pessoa tiver o minimo de noção de quais passos tomar para ter uma marca de sucesso saberá escolher um bom profissional para cuidar da identidade visual da sua marca.
Nós não podemos ficar com raiva de pessoas que contratam micreiros, na maioria das vezes estes também são uma forma de micreiros do seu próprio ramo.
Concordo do inicio ao fim, realmente é bastante irritante, principalmente para quem está no inicio da carreira como freela, mas a verdade é que uma hora o primeiro cliente vem, e a partir dele outros virão, mesmo que não seja diretamente ligado ao primeiro cliente.
Continue buscando conhecimento sempre, o profissional que se importa para a própria marca com certeza irá notar a diferença entre um bom profissional e um “sobrinho”.
Por último, acredito que trabalhar de graça seja uma solução quando se trata de ongs que realmente têm um papel importante perante a sociedade, no mais coloque seu preço, se o cliente não quiser significa que não é um cliente para você. Já vi empresas irem a falência pouco tempo depois de pagarem aquele preço super camarada para um “sobrinho” fazer a linda marca deles.
Interessantes suas colocações, Bruno. Quando você diz que alguns clientes são “micrerios” do seu próprio ramo, faz um pouco de sentido, mas não de forma pejorativa. Acho justo o cliente encontrar a solução ideal para o problema dele, dentro das condições que ele tem.
Mas há um fator que você mencionou e influencia muito nessa “justiça”. Se um empresário abre uma empresa sem preparo, planejamento, capital para investir em coisas básicas, como imagem, promoção, etc., este cliente provavelmente irá parar na mão de um micreiro, e talvez fique muito feliz com o resultado.
Mas também acontece de empresários super preparados acabarem na mão do micreiro, pois apesar de terem separado um capital para investimento, não fazem a mínima ideia do valor que o design tem. E isso é culpa nossa. rs
Luiz Fernando
Olá Walter, parabéns novamente pelo artigo. E para compartilhar, cobrei de um cliente a pouco tempo e ele me disse que havia um outro cara que fazia pela metade do preço (de fato tem vários aqui na minha cidade), mas mesmo assim eu mantive a proposta e e ressaltei os pontos fortes de fazer o job comigo, no dia seguinte ele me ligou e fechamos o contrato por um valor justo.
Show de bola, Luiz! Esse tipo de pagamento não tem “preço”, né? rs
Abraço!
Flávio Tico
Olá Walter, o seu artigo é pertinente e infelizmente é uma dura realidade que vem entupindo as áreas de design. Hoje e mais do que nunca questionamos-nos acerca da identidade do design e do seu papel na sociedade. Fala-se de design em toda a parte, infelizmente o termo design anda banalizado, e a palavra design está “in” mas o conhecimento de design está “out”. Já dizia um professor meu da faculdade – O design não é uma mera adição de estética à técnica para optimizar nesta valores de mercado.
Esta consiste num processo projectual tendo como base a forma e a funcionalidade do mesmo. E esses “micreiros” apenas andam a passar a ideia de que os designers só servem para desenhar bonecos, quase como se fosse um emprego de brincadeira, esquecendo-se que o designer desempenha uma actividade que é planeada e criada com um objectivo, que é a melhoria e o enriquecimento da vida humana. Daí eu concordar contigo que todos deviam (e devem) passar por ter formação na área (não basta ser ninja do photoshop, se depois não se entende que o designer também tem a obrigação de equilibrar nos seus projectos a ecologia, inovação, a cultura da sociedade onde o utilizador se insere e até a economia).
Muito interessante sua resposta, Flávio. Gostaria de ter conhecido esse professor.
Eu não consigo condenar os micreiros, como sempre falo, até porque acho que parte desta “culpa” é também nossa, da mídia, ou da própria sociedade. Mas é nítido que o entendimento de design hoje sofreu por consequência disso. É quase um desentendimento.
Eu mesmo já me peguei esquecendo fundamentos básicos de desenho porque se tornou comum o uso de softwares, e justamente por isso me obrigo a continuar estudando. Este blog é uma maneira de me manter atualizado, pois não basta “viver” o design, pois o design que se vive hoje não necessariamente reflete seus princípios. Acho que é preciso “estudar” design continuamente, e isso vale para mim, para você, para qualquer “micreiro” com pretensões de se tornar um designer, ou para qualquer grande nome do design que exista hoje.
Muito obrigado pela contribuição. Me fez refletir bastante. Grande abraço!
Tivemos essa discussão em nossa equipe e, a partir dela, elaboramos dois artigos debatendo o tema “trabalhar de graça. Deixo aqui so links, para quem se interessar:
Dayane Kazuh
Olá Walter tudo bem? Uma coisa que sempre me bateu dúvidas e eu perguntava na faculdade era…quanto cobrar..como posso saber? Será que cobrar 500,00 por uma marca é pouco? Será que é muito?
Oi Dayane, acho que acabei te respondendo sem querer em outro artigo, não? Vi seu comentário lá agora. (rs)
Um abraço.

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