Se tem uma coisa que me incomoda é ver pessoas sendo exploradas o tempo todo, e pior, sem ao menos se darem conta disso.
Já tive “cliente” pedindo para oferecer sugestões (rascunhos) antes do orçamento, pois somente assim poderia avaliar se faria o projeto comigo ou não. Ah, tá! Sei que comigo não rolou, mas aposto que alguém foi convencido depois de receber uma oferta “irrecusável”.
Já trabalhei como ilustrador recebendo R$10 por ilustração. Tudo bem que isso faz uns 8 anos, mas eu precisava do dinheiro, e na minha cabeça, aquelas ilustrações eram muito fáceis. Acontece que muitas vezes eu gastava quase duas horas para finalizar uma ilustração, e com certeza, se eu soubesse fazer o cálculo, minha hora de trabalho não valeria R$5. Enfim, não trabalhava “de graça”, mas com certeza estava sofrendo exploração. E feliz da vida!
Agora está na moda a “concorrência criativa”, que antigamente se chamava “concorrência especulativa” mas por alguma razão mudou de nome. A ideia é que você faça um layout (ou mais) na intenção de receber um pagamento caso seu trabalho seja escolhido entre os vários outros enviados.
Então pensa comigo: um cliente contrata uma empresa, que por sua vez “contrata” 500 designers para oferecerem soluções para este cliente. Essa empresa seleciona, digamos, 10 projetos e envia estes 10 layouts para o cliente. Suponha que o cliente escolha o projeto e pague R$200, e a empresa divide com o designer 50% do lucro. Ou seja, R$100 para cada. Um negócio e tanto, não?
O que aconteceu com os outros 499 designers que enviaram seus projetos? Acabaram de trabalhar de graça.
E o que aconteceu com o designer que acabou de “lucrar” R$100? Está feliz da vida!
Mas infelizmente, para ter esse projeto aprovado, ele provavelmente teve que enviar vários layouts para vários clientes diferentes, e vem fazendo isso há um bom tempo. Na maioria dos casos ele tem que contar com a sorte. Então, fazendo a matemática, esse 1 designer que conseguiu aprovação na verdade faz parte dos outros 499 que não conseguiram. Entendeu a lógica?
No final das contas quem lucra, e lucra muito, é a empresa que faz essa intermediação. Qual foi o trabalho que a empresa teve, selecionar 10 projetos? Essa empresa está milionária, e você está ganhando R$100 por projeto aprovado, sabe-se lá quantas vezes por mês. Designer, acho que você está trabalhando de graça.
Não sou de fazer críticas a “micreiros”, pois normalmente entende-se como “micreiro” a pessoa que sabe mexer em computador (micro) e se aventura a exercer o design. Normalmente está associado também a pessoas que nunca fizeram uma faculdade de design.
Acontece que há muitos “micreiros” que estudam design por conta própria e acabam se destacando. É possível encontrar vários designers premiados que nunca fizeram uma faculdade, assim como é possível encontrar grandes músicos que nunca “estudaram” música.
Não me entenda mal, não desaconselho de forma alguma a imersão em uma faculdade. Na verdade, aconselho muito, pois a faculdade te oferece a coisa mais importante pelo meu ponto de vista – a ordem cronológica de estudo. Estou apenas dizendo que não é impossível ser bem sucedido sem ela. Você duvida que existam “micreiros” que são designers formados? Eu não.
Pois bem, há pouco tempo enviei uma proposta para uma cliente, que na verdade é uma grande amiga. Infelizmente ela não teria condições de arcar com meu orçamento e decidiu fazer o projeto com uma dessas empresas que exercem a “concorrência criativa”. Me ofereci para acompanhar o projeto, como uma espécie de consultor, sem cobrar nada por isso.
Quando minha amiga e seu sócio fizeram a escolha, me enviaram e pediram opinião. Mandei várias observações considerando alguns erros técnicos, e lembro de uma que merece destaque. Eu disse o seguinte:
- Seu designer precisa enviar uma versão vertical da marca. Peça isso a ele.
Quando recebi a marca por e-mail, tive uma crise de risos daquelas de escorrer lágrimas. O “designer” simplesmente tinha girado a marca na vertical. Isso mesmo, girou 90º. Se você é um designer com um pouco de fundamento sabe que isso não é uma versão vertical de marca. Ok, até é, mas não é.
E quem é culpado por essa prática, o designer que lucra R$100 por projeto, o cliente ou a empresa que contratou o designer?
Com certeza não é o cliente. Este cliente está pagando um preço “justo” para o nível de exigência que ele tem.
Também não é o suposto designer que lucra R$100 por projeto, pois ele está feliz. Isso me incomoda? Sim, mas se ele está feliz quem sou eu para criticar? Além do mais, ele está suprindo uma carência de mercado, e se for sortudo, pode estar tirando mais dinheiro que você e eu juntos no final do mês.
Seria a empresa que promove a “concorrência criativa”? Não sei, pois ela também está suprindo uma demanda que parte do próprio cliente, que por sua vez não tem culpa por ter uma expectativa baixa e aprovar um projeto “show de bola” por R$200. No final, os 3 estão felizes.
Ao meu ver, este problema – que é sim um problema, está em uma esfera que vai muito além destes 3 personagens. Veja bem, se o problema é a baixa expectativa do cliente, significa que para ele é indiferente o trabalho de um suposto designer e o de um designer profissional. Mas este cliente não sabe que ao ter a oportunidade de fazer um comparativo entre os dois, ele escolherá o profissional. Ele não sabe disso pois não sabe que este profissional existe. E ele não sabe que este profissional existe porque muitas vezes este profissional cobra exatamente o mesmo, ou bem próximo do que o suposto designer está cobrando.
Se você for um destes designers profissionais que “nada” tem a ver com essa história, mas que cobra valores baixíssimos com medo da "concorrência", saiba que talvez esteja estimulando esta prática que você tanto condena.
Não desvalorize todo seu aprendizado com medo de perder o cliente. A concorrência é normal e saudável, então concorra com profissionais com o mesmo entendimento de design que você. Os “micreiros” e os supostos designers nunca vão deixar de existir, e você não deveria se preocupar nem um pouco com isso. Simplesmente não trabalhe de graça.
É o que eu penso.
Um abraço e até o próximo post.
REFERÊNCIA COMPLEMENTAR
Código de ética profissional do designer gráfico
CRÉDITO
Ilustração da capa por Wikimedia
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Eu preciso discordar de algumas coisas que estão no seu texto.
Esta consiste num processo projectual tendo como base a forma e a funcionalidade do mesmo. E esses “micreiros” apenas andam a passar a ideia de que os designers só servem para desenhar bonecos, quase como se fosse um emprego de brincadeira, esquecendo-se que o designer desempenha uma actividade que é planeada e criada com um objectivo, que é a melhoria e o enriquecimento da vida humana. Daí eu concordar contigo que todos deviam (e devem) passar por ter formação na área (não basta ser ninja do photoshop, se depois não se entende que o designer também tem a obrigação de equilibrar nos seus projectos a ecologia, inovação, a cultura da sociedade onde o utilizador se insere e até a economia).
Um abraço.